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quarta-feira, 25 de novembro de 2009



Há pouco li em meus e-mails mais uma agradável mensagem recebida do meu amigo Avellar, aquele que sempre nos manda algo interessante para pensarmos... Resolvi dividir com vcs, pois achei muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuito legal! Beijos para todos!


UM OÁSIS NO DESERTO


Aconteceu no Rio, pelo que ouvi falar. Um garoto aparentando
ter uns 19 anos resolveu improvisar um pocket show usando
uma esquina da cidade como palco: a cada vez que o semáforo
fechava, ele se posicionava na frente dos carros e tocava
saxofone por um minuto. Aí o sinal abria e ele voltava para
a calçada. Não era malabarismo para garantir uns trocados.
Ele fez isso por... Sei lá, sugira você uma razão: farra,
vaidade, benemerência, esperança de cruzar com um produtor
musical? O que importa é que fez, e o curioso é que assim
que o sinal abria, os motoristas custavam a arrancar seus
carros, perdiam a pressa. Haviam deparado com um pequeno
oásis em meio ao caos.

Cheguei do Marrocos há pouco, como comentei na coluna de
quarta passada. Um país encantador, com uma biodiversidade
de tirar o fôlego. Cruzei a árida cordilheira Atlas,
percorri uma pequena trilha que já fez parte do Paris-Dacar
e cheguei a dormir uma noite num acampamento de tuaregues em
pleno deserto: tudo estupendo, mas seco. Ainda assim,
engolindo areia, fui surpreendida várias vezes por alguns
oásis que quebravam o jejum. Fazia-se uma curva na estrada e
de repente se vislumbrava um conjunto de palmeiras verdes,
tão verdes que pareciam pinceladas à mão. De onde brotavam,
de que solo fértil, de que estúdio cenográfico? Pareciam
miragens.

Aterrissei de volta ao Brasil e, entre as notícias de um
apagão inexplicável e de um escândalo mais inexplicável ainda
por causa de uma reles minissaia que gerou teses sociológicas,
preferi me ater a essa história do garoto saxofonista que
fazia shows de um minuto no agito das ruas, silenciando os
buzinaços com sua música. Pensei: também é um oásis.

O que não falta por aí são pessoas com vidas desérticas,
pensamentos viciados, gente presa em calabouços e respirando
por aparelhos, sem dedicar um minuto, um minutinho que seja
por dia a criar seu próprio oásis. Os nossos podem ser tão
numerosos como os que encontrei naquelas paisagens
marroquinas em tons de terracota, em que já não se distingue
o que é cor original ou desbotado, uma estética da solidão
que tem sua beleza e força, mas que clama por um pouco de
oxigênio.

As pessoas dizem que a tecnologia, que deveria servir para
agilizar o nosso trabalho e liberar mais tempo para o lazer,
está, ao contrário, produzindo ainda mais trabalho e mais
estresse. A culpa não é da tecnologia, que, pelo que sei,
ainda não tem cérebro, mas de seus usuários, que deveriam
pensar mais em vez de entrarem na paranóia de preencher cada
hora do seu dia com atividades produtivas, ignorando a
produtividade que também há num encontro entre amigos, num
cinema, numa caminhada, na audição de um disco, na meditação,
num final de semana longe da cidade, na leitura de um livro,
num passeio de bicicleta, num namoro, no desprezo à lógica e
no respeito aos acasos. Esses são os verdadeiros oásis, ao
contrário dos oásis fabricados, como, por exemplo,
restaurantes da moda onde não se come bem nem se ouve
ninguém.

O saxofonista no meio da rua nada mais fez do que ofertar a
nossa vida opaca um toque de verde.



Martha Medeiros, O Globo - 22/11/2009




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